Vera Lima, poeta e artista brasileira – paraibana em entrevista para o Podcast do Terra Literária fala sobre sua relação de amor com a Literatura: “Eu tenho prazer em ler. Eu gosto das palavras. Tenho curiosidade pelo jeito que os escritores e escritoras falam na sua escrita”. Vera é uma apreciadora da Literatura de Cordel. Sua herança poética vem da avó Cecília – que era uma cordelista – e influência cultural vem do pai Antônio Lourenço que amava ouvir os repentistas e seus improvisos.
O despertar pela poesia e também pela música surge na adolescência e na vivência com o teatro popular, em Santa Rita, – que tinha uma vertente política – dirigido pelo inesquecível Helinton Santana. Nesse período, Vera começou a desenvolver sua escrita literária: “As experiências da vida nas comunidades foram dando forma a meu jeito de escrever e compor. Os sentimentos eu os coloco num papel, os escrevo às vezes – a inspiração chega sem avisar – eu sinto e vou escrevendo”. Ela enfatiza:
“O que escrevo tem características do que vivo cotidianamente. Eu não escrevo ficção, são minhas vivências concretas. Também escrevo sobre o amor, as lindezas da vida, o encontro com as pessoas. Escrevo sobre minha subjetividade, meu jeito de viver e sentir a vida, minha relação com a Natureza, com a Terra e a Espiritualidade”.
Vera tem revisitado uma diversidade de escritores e escritoras. O seu interesse pela literatura tem a levado as leituras de: Augusto Boal, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Mário Quintana, Eduardo Galeano, Fernando Pessoa, Adélia Prado, Alice Ruiz, Manoel de Barros, Cora Coralina e Valéria Rezende. Para além dessas referências, ela tem se interessado pelas poetas negras como: Alzira Rufino, Bianca Gonçalves, Geni Guimarães, Mel Duarte, entre outras “que descobri nas minhas garimpagens poéticas e musicais”.
Vera trabalha como psicóloga no interior (Lagoa de Dentro) da Paraíba, mas a poesia e a música estão sempre presente na sua vida cotidiana: “na cidade que moro, nós temos um grupo de mulheres que se reúne para ler poesias, cantar, partilhar ideias e escritas. Promovemos também alguns saraus e realizamos o projeto “Cantando nos Terreiros do Povo”.
Neste contexto de Pandemia de genocídio, de muitas mortes e perdas, diz Vera: “A poesia é minha salvação”.
Nem pense em me matar/nem pense em nos matar
Nem pense em me matar
Nem pense em nos matar
Sou a filha da puta que nos pariu
e que tu queres calar
O vente que apedrejas me redimiu,
me ensinou
Nao vou te pedir licença para viver
Sou semente germinada na luta de todo dia
Sou astuta, carcará
Sou frágil? também mas não duvide
da força que há em mim, em cada uma de nós
Se afaste que eu vou me espalhar
Escute o que vou lhe falar
Nem pense me me matar
Nem pense em nos matar.
Rasgando o verbo
Há tantos planos feitos, outros já desfeitos
Tanto sonho,
São tantos devaneios e tantos tortos tontos,
Muita confusão
Se a razão ostenta a hipocrisia, de quem sustenta a fome
E aquele bicho que nem parece homem
Descabelado, cheirando mal
É animal tratado, nas grandes filas, por traz das grades
Que faço eu sentada aqui parada?
Melhor rasgar o verbo
Desacordar meu medo
Ser cidadã do meu estado
Aos sensíveis
Nos becos escuros, as veias abertas, os putos e as putas da vida
O preto, o preconceito
O corpo enfadado, a mão estendida
Chacina social, retrato do real e nós, meros sós
O lixo, o luxo, a pouca comida
O fosso, a farsa, a ferida
Ah, se a utopia dos sensíveis sobreviver a esse asco capital
Não seria mal, se a gente também, se amasse e se entregasse como dois, meros sós
Curtimos a dor de ser gente onde só sobrevivem, os ousados , os apaixonados,
Os que gozam da nossa cara, do nosso medo, da nossa fé da nossa história, os poetas, os
loucos, os artistas e as crianças, meros sós
Teimosa
Passarinho pousou na antena parabólica
Não tem coração que prenda, não tem amor que entenda esse jeito avoador
Só passarinho é quem sabe, que quando as asas se abrem, não tem céu não tem inferno, não tem verão ou inverno, que impeça passarinho querer voar
Passarinho fez um ninho, pra nascer passarinho
Passarinho é valente, ele é cantador ele não quer morrer
Passarinho teimoso, ele insiste em viver
Toque dos maracás
Karipuna, Macuxi
Ianomami, Guarani,
Kariri -Xocó
Tupiniquins, Terenas
Caipós, Tiriós
Xavantes, Tapebas
A terra geme de dor, Jurupari sem pudor pisa, humilha e destrói
A mata sente Iabá mente
Povo das aldeias, vamos levantar
Agora grito é de luta, pra vida que há de vingar
A tribo inteira vai dançar, ao toque dos maracás
África dentro de mim
A África que vive em mim
Pulsa e vibra o amor
No batucar da alegria
No baticum do tambor
Sangra também em meu peito cada preta e cada preto, que tombaram nesse chão, vítimas desse racismo que aniquila, assassina
Não me incomoda não caber nas mídias, estar no topo
Eu tenho preguiça de querer ir nesses lugares.
Eu gosto do tamanho do meu alcance, gosto mesmo
Eu sou livre em meu pequeno cantar, vou onde posso chegar, e se não puder, silenciosamente alço voo para outro lugar, sigo aprendente , encantada com as coisas poucas. Do lugar de onde sinto, o pouco não é sinônimo de escasso, o pouco, pequeno pode ser farto, intenso
Sou da amorosidade,
A música é amorosidade
Não, eu não vivo da música, a música vive e sempre viverá em mim
Na trajetória como cantora, Vera publicou dois CDs e viajou por alguns países da Europa (Alemanhã, Itália, Suiça, Áustria, Holanda e Portugal) divulgando sua arte musical.
Na Paraíba, Vera leva a música e a poesia para as comunidades populares e para os espaços de militância política. Neste contexto de Pandemia, ela fez um programa na Web da rádio da ONG Casa Pequeno Davi, que se chamava “Sextas Nordestinas”. No programa, levou um pouco do projeto “Cantando nos Terreiros do Povo”: literatura de cordel, músicas e histórias populares contadas pelo povo.