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Uma poeta, teimosa, bonita e vistosa

“Um olhar comum
Um sorriso sincero
Um brinco pra embelezar
Um batom pra demarcar
O cabelo, a cor da luta
O sonho a se realizar
Reconstruir meu País
A opressão acabar!…”

Maria Suêldes Alves de Araújo, nome de batismo, atualmente se apresenta por Suêldes Araújo, nome artístico, e como a «mais bonita e, além de bonita, vistosa». Nomes sociais que lhe foram sendo agregados no decorrer de sua trajetória. Mas, com risos e a força na voz, Suêldes se autoafirma como uma sobrevivente, uma mulher que teima em viver. 

Mãe de Fernanda, Jocieldes e Suelando, avó do pequeno Jorge, ela é uma poeta, cordelista, artista popular, artesã, psicóloga e ativista feminista. Em entrevista ao Terra Literaria, Suêldes revela fragmentos da sua história, vividos no decorrer dos seus 64 anos, além de nos presentear com leituras de alguns de seus poemas e cordéis. Alguns deles estão no final deste post. A entrevista completa pode ser conferida em nosso podcast.

Nasceu no final da década de 1950, na cidade de Mamanguape, Paraíba, em uma família de classe popular oriunda do campo. Seus pais eram operários, trabalhadores fabris, artesãos e comerciantes, que no final da década de 1960 migraram para Santa Rita, onde viveram até seus últimos dias. Na adolescencia, Suêldes trabalhava em casa com a mãe, fazendo artesanato para ajudar na renda familiar e tudo que conquistou foi com luta e com o esperançar.

Para Suêdes, o gosto pela literatura de cordéis surge na convivência familiar:

“Meu avô materno tinha o costume de ir à feira e, se encontrasse lá um cantador, violeiro, fazendo literatura, cordéis, ele ficava na feira, e só voltava pra casa à noite. Minha mãe cantava e lia cordéis à noite, no balcão da mercearia, em Mamanguape… acho que ela sabia até decorado, porque ela tinha baixa leitura. Meu pai gostava de métrica e de rima, então, […] escrevia poesia para minha mãe.”

Transmitida de geração a geração, a escrita poética e  cordelista está entranhada na vida de Suêldes , como ela revela: “A escrita poética surgiu na adolescencia da necessidade de colocar para fora os sentimentos, as angústias, medos, os conflitos com os pais, com os amigos,  na descoberta do amor…” ,  e “na juventude com a atuação teatro popular (Santa Rita), com a arte em si, visual e corporal, ela começou a escrever outros temáticas:

“Não consigo me perceber como uma escritora que está sempre escrevendo, mas escrever poesia livre ou cordel sempre foi vieram de demandas internas e externas, por exemplo, escrever sobre violência contra mulher, uma demanda que vem da minha história, mas que vem da demanda social”.

Suêldes é uma semeadora não apenas de plantas, flores, mas de esperanças e de mudanças. Como ativista feminista, tem contribuído com o movimento de mulheres e feminista na Paraiba. Atuou também como gestora em instâncias municipais e estadual na elaboração e implementação de políticas públicas para as mulheres. 

Na atuação feminista, em atividades do movimento de mulheres, conferências, sessões especiais, campanhas políticas, na gestão e em diversos eventos culturais, Suêldes, estava lá com sua produção cultural.  “O corpo, cantorias de ciranda, coco de roda, poesias, cordéis ou paródias, sempre tiveram presente na minha vida,  animando os grupos populares de mulheres de Santa Rita, o São João das mulheres (Cunhã Coletivo Feminista), a Rede de Mulheres …”

Com sua literatura e oralitura, palavras escritas poetizadas, cordelizadas, cantadas ou performatizadas, ela tem  provocado mudanças, inquietações e reflexões sobre o patriarcado, o machismo, as violências, opressões, desrepeito às diferenças e à diversidade, às desigualdades sociais… A criação dos cordéis é motivada pelas  provocações internas e externas da vida cotidiana das pessoas e dos diferentes contextos e realidades.

Na pandemia, Suêldes foi contemplada pela Lei Aldir Blanc para desenvolver o projeto “Arte em casa”: Plantar é o verbo presente! Com os recursos, ela produziu a exposição Ensaios poéticos em Tempos de Pandemia, retratando “sentimentos expressos pela mais bonita que, além do mais, é vistosa”, suscitados neste contexto. Um convite a todos os moradores da cidade de Santa Rita para refletirem sobre poesia, arte e preservação do meio ambiente.

 Contato: instagram.com/mariasueldes
 
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Sinais

O que a gente vê
É apenas um ponto
De cartas rasgadas
Um pingo de água
Que brilha na Luz
De uma enxurrada
Um farelo de pão
Que no chão caiu
Da massa curtida
Que ninguém viu
É um tico de afeto
De um amor maior
Que está espalhado
E nunca está só

Fecunda

Me sinto fértil,
Mãe de mim mesma
Mãe de pedaços de terra
Onde piso, onde ando
Onde faço brotar vida
Bem aventuradas
Minhas sementes
Minhas crias
Geradas em meu ventre!

Esperança

Que seja banida
Toda dor suportada
O grito não ouvido
A ofensa feita
A tristeza escondida
O desencanto
A falta de crença
A desconfiança…

Que seja banido
O machismo
A violência
O ódio, o rancor
A injustiça!
A convivência!

Que vá para longe
A opressão
Os dias difíceis
As noites inquietas
As dores sentidas
A falta de amor!

Para nós a certeza,
De recomeçar
A cada dia, a cada
Queda
No levantar, a
Esperança
De que todo dia, seja
Novo
Para novo tempo,
Construir!

Sem flores, com
Direitos, com respeito!

Mãe Natureza

Silenciosamente
Divinamente
Extraordinariamente
Brilhantemente
Ela expressa
O seu poder
De transformar
A si mesma
Ri e chora
Ao reluzir
Em dores de parto
Se preparando
Para amamentar
Suas filhas e filhos
Com abundância plena
De muita vitalidade
No meio daquilo
Que não serve mais
Que necessita
Se transformar!

Quão grande és tu!

Acorda Mulher

Acorda mulher, acorda!
É hora de despertar
É chegada nossa hora
De sentir, de lutar
Nossa história acontecer
Nossa vida recriar!

Acorda mulher, acorda!
É preciso seduzir
A vida, a existência
Fazer valer o sentir
Transformar a realidade
Construir nosso existir!

Acorda mulher!
Acorda mulher!
Acorda mulher!

A poesia nas árvores

Foi lindo
Cedinho
No acordar
Do sol
Do Vento
Da chuva
O registro
De um pingo
De vida
Entre tantas gotas
De histórias
De muitas vidas
Que passaram
E seguem
Desejando
Resistindo
Em viver!

Presença

Nem toda presença é física
Nem toda pesença é expessa…

Presença que não se sente
Por quem ausente está
Não é presença é ausência
É lacuna de um lugar

Ausência que não se sente
Por quem presente está
Não é ausência é presença
Que preenche um lugar
É algo que se completa
Alimenta o caminhar

Estando presente ou distante
Presença à pra ser sentida
E conforta, é apoio
É carinho, alegria…
É sentimento que fica
Em quem já sentiu um dia.

Poesia

És fonte de sentimentos
Retratas o interior
Melodia em palavras
Ferramenta de quem ama
E de quem viveu a dor

Não importa se tem rima
Se é fonte de calmaria
Sei que toca nossa alma
E alimenta o dia a dia

Tem cor, som e movimento
Me faz sentir emoções
É um presente divino
Que alegra corações

Poesia companheira
Fim de minha inspiração
Meio que adoça a vida
Processo de criação
És vento que alivia
Ameniza o coração

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