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Um encontro com Carla G. Batista e suas escritas

Malu: Olá, Carla. Seja bem-vinda! É uma alegria tê-la conosco no Terra Literária.

Carla: Para mim também é uma grande alegria.

Malu:  Estou muito feliz em ter você aqui conosco. Gostaria de saber um pouco sobre tua vida. Quem é Carla?

Carla: Sou uma pessoa comum, que gosta muito de ficar em casa, e ao mesmo tempo de viajar, através dos diversos tipos de deslocamentos, inclusive os literários. Sou feminista, e acredito que vivo o feminismo, hoje, muito mais na minha forma de estar no mundo do que através da militância, na qual já estive envolvida de forma mais orgânica.

Malu: Me fala um pouco sobre sua trajetória profissional e os caminhos que você percorreu: formação acadêmica, onde você vive e o que faz atualmente.

Carla: Tenho 59 anos, sou brasiliense. No início da minha vida profissional, pensei que queria seguir a mesma carreira do meu pai, que era funcionário do Banco do Brasil. Trabalhei muitos anos em banco, saía de um para outro achando que não gostava daquele banco, até me dar conta que não gostava de ser bancária. Antes de sair da casa do meu pai, em Belo Horizonte, para viver em Recife, comecei a trabalhar de garçonete, o que garantiu a sobrevivência nos primeiros anos vivendo longe da família.

Me formei em História, pela UFPE e me especializei na área de documentação. Trabalhei no Jornal do Comércio nesta função, a imprensa sempre me atraiu. Em 1993 comecei a trabalhar no SOS Corpo, hoje Instituto Feminista para a Democracia, fato que marcou uma mudança de trajetória. Comecei a atuar como educadora popular, pesquisadora, e o ativismo passou a fazer parte da minha vida. O exercício da escrita começou também a ser desenvolvido neste período, por demanda da atuação política e como educadora.

Em 2010 fui viver na Bahia, aonde realizei o mestrado em estudos sobre mulheres, gênero e feminismos. Meu desafio, além de me dedicar à teoria feminista, era escrever um texto de maior fôlego. Hoje, voltei a viver em Recife. Estou aposentada, mas continuo trabalhando em diversas atividades relacionadas ao que fui aprendendo a fazer e aos conhecimentos acumulados nesta trajetória. A maioria das coisas que faço estão relacionadas à escrita. Publico, desde 2018, a coluna MULHERES EM MOVIMENTO, na Folha de Pernambuco.

Em 2019 publiquei o livro “Ação feminista em defesa da legalização do aborto: movimento e instituição”, resultante da minha dissertação de mestrado na UFBA.

Malu: Um hobby, cores, passatempo, música…

Carla: Gosto muito de nadar, cozinhar, caminhar em terrenos planos rs. Cinema, vou a mais de uma sessão no mesmo dia. Na música, tenho um gosto aberto, mas prefiro ouvir clássicos, jazz e bossa nova. Gosto de todas as cores, mas na sexta-feira prefiro o branco.

Malu:  Você escreve crônicas, não é? Desde quando você começou a escrever?

Carla: Neste período de isolamento social tenho me dedicado a escrever crônicas e também estudado um pouco de teoria literária. Aproveitei para fazer alguns cursos com pessoas da área de literatura. Parece que aconteceu não só comigo.

Malu:  Você escreve outros gêneros literários?

Carla: Tenho me aventurado pelos contos, mas nada publicável ainda.

Este ano vou participar de um livro, coletânea de artigos, sobre uma viagem feita à Palestina. E assim que o isolamento social terminar devo começar um projeto de biografia de uma feminista histórica daqui de Pernambuco. Para isso estou aproveitando para ler mais e estudar a respeito. Por enquanto esse é só um projeto.

Entre as coisas de trabalho, tenho escrito amicis curiae, boletins, artigos, textos que se aproximam mais de textos acadêmicos do que da literatura.

Malu: De onde vem a inspiração? Quais autoras(es) que te inspiram de maneira especial?

Carla: A inspiração vem da própria vida. De tudo que nos cerca. Das lembranças que afloraram neste período de convivência remota.

Quanto às leituras, uma em especial, de autora para mim desconhecida, cujo livro chamou a atenção numa livraria de Santiago do Chile, aonde estive em janeiro. Era caro, porque uma coletânea, e pesado. Eu fui e voltei, mas acabei trazendo comigo, o que foi muito bom porque me encantou. A intuição não me enganou: Maeve Brennan, uma irlandesa e suas crônicas de Nova Yorque, mais especificamente de Manhattan, na década de 90. Uma delícia! Os brasileiros Luiz Ruffato, a Tati Bernardi, o Antonio Prata, além de clássicos, como Rubem Braga, têm sido leituras constantes neste período.

Malu: Que gêneros literários têm lhe atraído mais (poesia, contos, romances…)?

Carla: Biografias e crônicas têm sido as minhas preferências. Mas, os romances não foram abandonados. Gosto muito de poesia, mas não tenho lido muito neste momento. E os contos estão na fila de interesse, porque quero dedicar um bom tempo a eles. Ler ajuda a escrever, além de ajudar a viver.  

Malu:  Qual é o espaço que a escrita tem na sua vida? Como conciliar o tempo da escrita com a vida cotidiana? O que significa escrever para você? É algo tranquilo, fluido, ou é sofrivel?

Carla: Escrever, assim como ler, faz parte da minha vida. A maior parte do tempo é dedicada a isso, tanto à escrita como trabalho, a que é pelo ativismo, caso da minha coluna, como da escrita literária, que tem começado aos poucos a ocupar mais espaço. Como moro sozinha, e sou responsável por todas as tarefas de casa, vou organizando o meu tempo e inclusive relegando estas últimas em função das leituras e escrita rs. Não sofro, vou organizando as coisas sobre as quais tenho que, ou quero escrever, na cabeça. As crônicas têm saído espontâneamente.  Quando é trabalho, ou exige pesquisa, tem o tempo de preparação. Todos os textos são escritos e reescritos muitas vezes. A ficção é mais difícil para mim. E em todos os casos, tenho tendência a procrastinar. Isso, sim, me faz sofrer. Ler é mais gostoso que escrever!

Malu: Como é a relação de sua escrita com o feminismo?

Carla: São duas coisas inseparáveis. Eu sou feminista, é através do feminismo que vejo o mundo e me expresso sobre ele. Não é uma coisa que dá para deixar de lado na hora da escrita.

Malu:  Na sua opinião, qual a contribuição da literatura, sobretudo, das escritas de mulheres, para o feminismo e do feminismo para a literatura?

Carla: São fundamentais por diversos motivos. Através da literatura podemos saber muito a respeito da vida silenciosa ou silenciada das mulheres. Ao mesmo tempo, é uma forma de se posicionar como sujeito no mundo: a partir da escrita, olhar e voz que conta o mundo.

Hoje em dia, grupos como leia mulheres, os mulherios das letras estão sendo muito importantes para visibilizar e viabilizar o que é escrito pelas mulheres, que historicamente tiveram também a possibilidade de publicação cerceada. São espaços que têm uma importância política.

Malu: Para finalizar, quais são os seus sonhos e desejos neste momento?

Carla: Estou organizando, para tentar publicar, as colunas da Folha de Pernambuco em livro. Quero investir cada vez mais na escrita literária e, quem sabe, no futuro, publicar. Às vezes, penso em fazer um doutorado na área de História, mas a esta altura não tenho tanta certeza. Espero poder voltar às viagens. Estou fazendo um curso à distância de japonês. Não sei se vou conseguir aprender rs, mas o Japão é um dos países que tenho muita vontade de conhecer. Participo, inclusive, de um grupo de leitura da literatura e da cultura japonesa. Seguir com saúde para continuar. Pensar na saúde, em tempos de pandemia e da morte rondando permanentemente o imaginário, se tornou mais determinante ainda.

Malu: Carla muito obrigada por compartilhar conosco retalhos de sua vida e algumas de suas escritas. Um presente para nós e, com certeza, para as (os) leitoras(es) do Terra Literária.

 

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                     Colagem de Cyane Pacheco

Cadê você? Eu vim aqui só pra te ver

Dei uma volta nas redes sociais. Não vi. Aí, baixa o espírito de porco, respondo sobre o que estou pensando: não vejo nada do PT nesta estória toda. Tem? Ih! vai ficar mais queimada que carvão em churrasco! Um amigo mais cauteloso escreveu algo, pensou, corrigiu. Vieram as perguntas: qual estória? Está falando de um posicionamento público sobre a criança de 10 anos? Sim, era da garota que teve que vir pra Pernambuco para ter garantido o direito ao aborto legal e enfrentou forte resistencia fundamentalista. Não só de posicionamento público, manifesto que posiciona e nada mais, mas de ação. Já tinha visto nota da ex-ministra feminista, em cuja gestão o tema ficou silenciado. Alguém disse: tem uma nota da secretaria nacional de mulheres.

Mais de uma pessoa também sentiu falta. Soubemos então que houve posicionamento do senador Humberto Costa e da deputada Marília Arraes que, com a professora  de direito Liana Cirne, entrou com queixa crime contra a Sara Giromini. Várias outras filiadas que são da Frente Nacional pela Legalização do Aborto e um assessor da Tereza Leitão estavam na porta da maternidade na hora do tumulto, enquanto a deputada, em isolamento social, articulava junto ao governador proteção para a menina. Jornalistas alegaram problema de comunicação. Você queria o quê? O PT tem resolução que defende o aborto em todas as circunstâncias.

Mas, resolução é só indicativo, o que está sendo feito? Vieram respostas sobre ações em casos passados, o que não era exatamente o caso. A maioria em bom tom, poucas respiravam irritação e pedrinhas nas mãos. A defesa: espero ser lida como uma eleitora do PT de longa data, como uma pessoa que contribuiu, a partir da sociedade civil, para os mandatos do PT, que respeita e apóia a atuação da feministas dentro do PT. Não é pra elas a pergunta, não quero que seja compreendida como cobrança, mas tenho circulado nas redes sociais e… Ações visíveis são posicionamentos políticos. Se invisíveis, não são. Política é assim, não é gente?! Alguém disse: tem a nota da secretaria nacional de mulheres!

Merecem admiração, reconhecimento e apoio as feministas que atuam por dentro das instituições, como partidos políticos e igrejas. Enfrentam o patriarcado no olho, seguram os chifres. São fundamentais.

Confesso que as buscas não foram exaustivas. Além do PSOL, que talvez não tenha os mesmos problemas de comunicação que o PT, não vi o que fizeram outros partidos. Minha bolha até tem pessoas de alguns deles. Quando feito, partiu das mulheres.

O que levou à dúvida se confirmou. Para assuntos dessa ordem, tem as secretarias, os setoriais. A preocupação é com as eleições e as alianças, que já não passam por qualquer aceno de diálogo com movimentos sociais. Esses, os das questões hierarquicamente preteridas, a não ser quando negociáveis. Os encapsulados como identitários, são problema.

Outra amiga conta: tem a nota da secretaria nacional de mulheres!

Recife, 21 de agosto de 2020.

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            Foto de Cyane Pacheco

A recepcionista

Entre vários funcionários que trabalham no meu condomínio, uma é porteira. A única mulher. Foi com alegria que eu, feminista, a vi na guarita. Já tem alguns anos isso, mas só parei para pensar a respeito neste período de confinamento.

Ela não é gorda mas também não é magra; é forte, com um rosto redondo e luminoso. O ânimo dela é contagiante. Às vezes vem com os cabelos e unhas arrumados; é modestamente vaidosa. As características também contribuíram para ficar feliz com a sua chegada, uniformizada de azul.  

Como moro em um apartamento de ponta, terceiro andar em prédio de lado para a portaria, posso ouvir a sua voz nos turnos de trabalho, que são sempre diurnos. À noite, só os homens. Assim como no trabalho mais pesado de limpeza, pequenas obras, jardinagem, detetização, retirada de lixo. A função dela é permitir ou bloquear a entrada, receber e destinar correspondências.

O condomínio do meu conjunto, chamado Jardim Europa, com não sei quantos prédios, cada um com o nome de um país daquele continente, também é administrado por uma mulher. Como tem sido muito eficiente, é sempre reconduzida a um novo mandato.

Sei pouco sobre a síndica. Tem uma filha que vive com ela e um cachorrinho. Mãe solteira? Viúva? Separada? quem sabe. Reconhecemos a sua seriedade e competência. Consegue manter o ordenamento de funcionários, limpeza e beleza da área comum com um condomínio de valor acessível, do qual acumula uma poupança significativa, o que evita pagamento de taxas extras, aumentos em tempos de pandemia e a segurança de um fundo reserva. Avisos e prestações de conta sempre estão publicados e visíveis. E consegue também nos manter à distância. Todo mundo sabe que condôminos/as, às vezes até por problemas pessoais, ligam para síndicos/as querendo solução.

É a síndica quem elege funcionários, que costumam ser permanentes. Moro aqui desde 1997 e poucos trabalhadores mudaram.  A moça da portaria foi uma novidade que também persistiu no tempo.

Não sei o nome dela. Costumo manter distância da movimentação do condomínio. Sei que é falante. Nos seus turnos a ouço permanentemente conversando com todo mundo que passa pela portaria e com outros funcionários, numa voz vibrante que acolhe e anima. Difícil não parar e se alegrar um pouco. Assim é também quando ela chama pelo interfone para dizer que vão entregar alguma encomenda na porta, que devo assinar o protocolo, etc. De vez em quando, uma gargalhada contagiante. Numa guarita de mal-humorados, suas risadas borbulham entre as palavras pronunciadas.

Fazer alguma reclamação para ela é algo que merece atenção e resposta. Já fiz, e ela se fez meio de tonta. Disse quase séria: hum… será? vou ver o que aconteceu, vou falar com a Síndica! Mas, nada é recebido com estranhamento.

Outro dia ela me contou que sempre passava alcool gel nos pacotes de livros que chegavam pelo correio. Como tinha adquirido um pequeno estoque do produto, em função da pandemia, lhe mandei um frasco em retribuição a sua gentileza e cuidado. Ela não disse obrigada, nem nada. Ciente que é das suas funções, deve ter entendido que não fiz mais do que a minha obrigação com o condomínio. Mais um ponto pra ela!

Recife, 28 de agosto de 2020.

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