Sandra Raquew Azevêdo
Que o remake de Pantanal tem sido fenômeno de audiência, muitos de nós sabemos. O que a gente não pára muito para refletir é como os estereótipos de gênero estão tão imbricados nessa narrativa. Comecei a assistir a novela para rever a paisagem do Pantanal, por ter vivido em Mato Grosso. A maior parte das pessoas que vive no país não conhece o ecossistema do Pantanal, mesmo estando localizado na região central do Brasil. O povo brasileiro de um modo geral não têm, pelos baixos salários, condições sequer de viajar pelo país. Por outro lado, muitos do que podem circular por aqui, optam por alguns países europeus como Portugal, Espanha, França e Itália. E ainda pelos Estados Unidos da América (Miami, New York).
Pois bem, a janela, o esquadro, e os enquadramentos propostos pela teledramaturgia sempre foram, sem sobra de dúvidas, poderosos espaços sociais de construção de atributos, representações sociais sobre os sujeitos, o espaço social e a política. Pantanal é esse percurso. Quero dizer que considero incrível a fotografia e a qualidade técnica da telenovela. Como também não deixa de ser formidável e cativante o elenco da telenovela. O que incomoda mesmo é o enredo, o desdobramento de personagens e as representações das mulheres e da Natureza na telenovela.
Há muita coisa que pode ser pensada através dessa telenovela. E gostaria de começar pela postura androcêntrica e essencialista. Pantanal coloca mulher e Natureza como algo a ser dominado. Praticamente todas as personagens femininas estão numa condição de subordinação, domesticadas como a Natureza subordinada ao agronegócio – anunciante. Elas com toda modernidade e riqueza do latifúndio estão no espaço doméstico, em casa: lavando, passando, cozinhando, e chorando pelos vaqueiros. Mesmo a personagem ícone de alguma emancipação feminina/feminista, é tratada de forma ambígua na trama. A personagem Guta, nas redes sociais, é sinônimo de lacração (que mesmo sendo sinônimo na internet de “se dar bem”, vem sendo visto com “maus olhos” por setores conservadores).
Atrizes de talento indiscutível encarnam Guta e Maria Bruaca, filha e mãe que travam diálogos conflitivos e ambíguos sobre libertação e opressão das mulheres. Até aqui, na novela, a emancipação de uma das personagens, tem sido traduzido como ousar viver um desejo sexual heteronormativo (como vingança por anos de traição do marido, a quem servia fielmente) e se sentir em pecado.
Se faz necessário uma Ecocrítica feminista de Pantanal, um produto midiático do tecno patriarcado. De imagens exuberantes, paradisíacas arrastada pelas boiadas, pelo machismo e conservadorismo atenuado por uma visão “romântica” e positivista das mulheres e da Natureza. Que nem mesmo a presença de um personagem híbrido, o Velho do Rio, aparentemente integrado ao meio ambiente, pode ilustrar uma perspectiva mais sustentável para a Natureza e de relações mais justas entre homens e mulheres.
Juma Marruá, a protagonista, mescla o arquétipo de Diana, uma amazona, uma virgem, uma “selvagem” a ser dominada, assim como a Natureza. Uma narrativa conservadora que reproduz no social, nesse tempo neoliberal, uma visão milenar do patriarcado como chave de poder para normatizar a vida social, ditar as regras de conduta de homens e mulheres em pleno século XXI. Muitas das mulheres no Brasil não conseguem escapar das diferentes situações de violência, que quando não elimina suas vidas, deixa muitos traumas e sequelas. O país é um dos mais altos em números de feminicídio no mundo. O que nos propõe a pedagogia das mídias? Que outros horizontes de enfrentamento ao sexismo podem nos propor a teledramaturgia, além dos programas especiais no Mês das Mulheres?
Muitas mulheres historicamente tem sido excluídas do espaço público, do espaço de participação social, de lugares de decisão. É preciso dizer que no espaço rural as violências são muitas, e por vezes invisíveis. Pantanal é uma novela cujo enredo se desdobra no campo. Fico também me perguntado, onde estão os pantaneiros e pantaneiras na teledramaturgia que se passa no Pantanal? O povo negro e ameríndio que vive lá.
O Pantanal é belíssimo, realmente incrível, e tem sofrido muito nos últimos anos com criminosas queimadas que têm arrastado sua vegetação, e assassinado os animais que vivem no território.
Foto: Carlos Azevêdo