Eleonora Montenegro, uma bem-te-vi!
Nas aventuras para a Chapada Diamantina, Bahia, conheci Eleonora Montenegro. Nas trilhas com outras amigas e amigos, desfrutávamos das belezas da natureza: as flores silvestres, o canto dos pássaros, as águas dos poços, os mistérios das cavernas, as cachoeiras geladas, o pôr do sol, as noites estreladas… foram dias inesquecíveis!
Os laços de amizade com Eleonora se afloraram nos encontros com as danças circulares. Éramos sete mulheres ao todo (Ana Emília Antas, Roberta Leite, Justina Ferreira, Luiza Regina, Maria do Amparo Caetano, Eleonora Montenegro e eu), que se deslocavam nos finais de semana a Olinda para fazer a formação das “Danças Circulares Sagradas”, com William Valle, em 2004. Em João Pessoa, às vezes, nos encontrávamos para dançarmos juntas! Embaladas neste ritmo das danças sagradas, partilhávamos nossas histórias de vida, sonhos, afetos; cuidávamos da nossa saúde e alimentávamos nossa espiritualidade nos conectando com nossas ancestralidades.
Eleonora e outras mulheres do coletivo afirmam que “as Danças Circulares estão presentes em antigas tradições de diversos povos de todo o planeta. Suas origens se confundem com a origem da própria humanidade. Remete-nos à época em que o homem tinha uma estreita ligação com a natureza, simbolizando os movimentos circulares a pura expressão dos ciclos existentes em tudo que nos rodeia: o trajeto das estrelas e do sol em torno da terra, a chegada das chuvas, as fases da lua. Estas danças refletiam a necessidade de comunhão, de celebração, de união entre as pessoas e se associavam a diferentes momentos de suas vidas: o nascimento, as brincadeiras infantis, o casamento, o plantio, a entrada da primavera, a colheita, a morte, entre outros importantes acontecimentos ou rituais de passagem”.
Com o seu envolvimento e paixão pelas danças, entre 2005 e 2013, coordenou o Projeto Danças Circulares na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com rodas semanais, palestras e cursos, atividades abertas à comunidade em geral.
Eleonora nasceu em Natal/RN, mas na infância mudou-se com sua família para João Pessoa/PB, onde foi construindo sua vida profissional e artística. Ainda jovem casou-se e teve sua filha Mayra, quase parida no teatro, que já menina subia aos palcos para atuar nas cenas infantis.
A relação com a arte vem de suas origens familiares. Da mãe Wilma, “Semeadora de Estrelas em minh’Alma”, e do pai Agrimar, “Poeta primeiro”, como ela o define, Eleonora herdou muitos talentos e sabedorias. Aos 16 anos, iniciou a vida artística como autora teatral, atriz, cantora e encenadora dentro do cenário cultural no Estado da Paraíba, no Nordeste e no Brasil.
Na sua vivência com a música, entre as décadas de 1970 e 1980, ela fez parte como contralto dos corais do “Instituto Superior de Educação Musical Anthenor Navarro”, “Camerata Universitária”, da UFPB, e “Madrigal Paraíba”, da Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Paraíba. Sua voz nos emociona, porque ela sente a música no corpo. Quando a escutei cantar pela primeira vez, chorei!
Na trajetória como artista, cantora, diretora teatral, dramaturga, pesquisadora da voz na cena e professora de música da UFPB, Eleonora Montenegro tem levado a arte para todas as gerações. Suas peças teatrais, escritas ou dirigidas por ela, ganharam os palcos da Paraíba.
No engajamento com as lutas sociais, em 2005, colaborou com a ação educativa da Cunhã Coletivo Feminista, sediada na Paraíba, coordenando o Grupo Coletivo Teatral Livre Expressão, uma ação inserida no Projeto Violência Contra a Mulher – Em Cena, visando influir nas políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres.
Depois de anos de dedicação à dramaturgia, Eleonora tirou do baú este arcabouço de produção artística e o tornou público. Em 2020, lançou o livro Pra Fazer de Conta, com sete textos teatrais para todas as idades, com fotografias de espetáculos escritos e montados entre 1980 e 1995. Destaca-se na obra sua adaptação do conto “O gato molhado e a andorinha Sinhá”, de Jorge Amado. O livro contém ainda reportagens de jornais, revistas, além de reproduzir páginas da censura federal no período da ditadura civil-militar no Brasil.
Além disso, Eleonora faz parte da Cia Violetas de Teatro, juntamente com sua filha Mayra Montenegro (professora da licenciatura em Teatro da UFRN). O espetáculo Violetas foi apresentado em Viena, Áustria em 2018, e vem sendo apresentado por diversos Festivais no Brasil. Outro trabalho dessa parceria artística em cena é o espetáculo Desmontagem, encenado por Mayra Montenegro. Assim, mãe e filha seguem juntas a vida artística com seus talentos entrelaçados.
A poesia nos faz pensar, sentir, voar
Eleonora é tudo isso e muito mais, é uma escritora, crítica, poeta. Tudo o que realiza o faz com paixão, talento e beleza. Ela é poesia, melodia, movimento, uma mulher livre feito uma passarinha, bem-te-vi! Alça voos com e através da arte, recria palavras, confecciona ideias, tece poesias.
“Aprendi com o Tempo e com o Vento que a Beleza não pode ser aprisionada,
pois que senão perde o viço e entristece.
A Beleza é Asa Solta, é Farol no mar sem fim, é Vela de barco
apontando o caminho, é Sonho de bem querer.
É para ser semeada, para se tornar Flor,
Virar estrela e Iluminar o Mundo.
A Beleza é coisa de fechar os olhos e Ver com o Coração.”
Primavera
Quando amanhece mais cedo
E a vida inteira se enche de luz
Pássaros voam, gorjeiam
A terra se enfeita
O Amor nos conduz
Campos de rosas vermelhas
Azuis, amarelas,
Jasmins, bem-te-vis
Hoje a esperança me espera
E da primavera me sinto aprendiz.
Quando a abelha ligeira
Prepara o seu mel
Na flor a beijar
A natureza em festa
Celebra e espelha canções pelo ar
Quando se vai o inverno
E os dias sombrios não mais vão voltar
Deus me ensina o segredo
Já não tenho medo
Me ponho a cantar.
Campo de rosas vermelhas
Azuis, amarelas,
Jasmins, bem-te-vis
Hoje a esperança me espera
E da primavera me sinto aprendiz.
Senhor Tempo
Senhor Tempo,
Quem és?
Quem te inventa em mim?
Que sei eu te ti?
Quem sapateia
aos meus ouvidos
esse turbilhar do coração?
Quem me dói tanto?
Quem me dá
tanta Beleza e Esperança?
Quem me desassossega
a Alma?
Quem me ensolara
os olhos
e me escancara
as janelas?
Quem me aponta
o horizonte
e me diz:
Vá! É por ali (?)
E eu vou!!!
E creio que é por ali!
Senhor Tempo…
Serás miragem?!?
Dá-me Asas!
Re-Inventa os
Sonhos em mim!!!
AH MAR
Amar! …
Ao Mar de dentro!
Amar, apesar de tudo!
Amar o mar de mim e o mar do outro
Pensar-se outro
Pensar-se Mar.
Quantos mares…
Quantos a-mares e amores e flores e dissabores.
O que fazer?
Saber-se Mar e Amar!
Ah, Mar! …
AH MAR
O MAR …
Sempre o MAR!
Sempre o (A) MAR! …
Sempre SER! Sempre MAR! …
Sempre AMAR! …
Amar e MORRER …
E Renascer MAR …
E AMAR …
Para te Ninar
Sonha, que o teu sonho é parte
Da minha própria vida,
Do meu próprio amor.
Sonha, que acordada eu canto,
Para que o teu pranto
Nunca seja dor.
Dorme, que ao dormires tanto,
Envolvida eu penso sobre o teu viver.
Dorme, que de tantos erros,
Fico olhando o tempo,
Para que não vivas
O que deixei faltar.
Luta, que sempre haverá um motivo
Para entender que vale a pena viver.
Que sempre haverá um sentido
Que dará razão ao que existe.
Deixa estar em mim o teu silêncio;
Que embalo o teu sonho em meus abraços;
Que limpo os caminhos para caminhares segura;
Que choro mil prantos para que sorrias;
Que vivo de amor para que o amor te faça.
Referências
A foto principal do post é do fotógrafo Kenidy Santana.
Livro da autora Eleonora Montenegro: Pra fazer de conta: textos teatrais para todas as idades.
Artigo: Danças Circulares na UFPB. Autoras: Maria Eleonora Montenegro de Souza, Maria do Socorro Souza, Maria do Amparo Caetano de Figueiredo, Ana Emília Cavalcante Antas, Roberta de Miranda H. Leite, Ana Karla Sousa de Oliveira
Minibiografia
Eleonora Montenegro possui doutorado na área da Espiritualidade e Saúde (pelo programa do Curso de Ciências das Religiões), com a tese Danças Circulares Sagradas: movimento(s) em busca de saúde, cuidado, espiritualidade e sentido (UFPB, 2019). Mestrado em Artes Cênicas, com a dissertação A alma das palavras: a voz enquanto imagem das palavras: uma proposta de leitura e em cena-ação (UFBA, 2001). Especialização em Arte Educação – Artes Cênicas (UFPB, 1984). Graduação em Licenciatura em Educação Artística, Habilitação em Artes Cênicas (1982) e em Música (1980), pela UFPB. É professora efetiva da Universidade Federal da Paraíba desde 1989, atualmente lotada no Departamento de Educação Musical.