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A feira do M Boi Mirim

Entre os sete e oito anos de idade, minhas irmãs e eu íamos a poucas festas. Morávamos no meio do mato junto com os vagalumes, sapos e corujas. Encontrar com outras gentes que não fossem da família era possível só nas novenas de quaresma, marianas e natalinas. Bolos, Ksucos e mortadelas não faltavam na casa das beatas do vilarejo. A reza virava festa!

Mas, meu divertimento preferido era ir para a feira livre, para ver outras gentes diferentes. As sextas eram sagradas para mim, o meu dia preferido da semana porque íamos à feira. Nas quintas-feiras, dormia mais cedo para que a noite acabasse logo. E quando o sol da sexta-feira despontava, mãe já estava de pé, arrumada e com suas duas sacolas na mão. E eu, ainda com a remela no olho, me apressava para não ficar para trás. Comia um prato de abóbora cozida com leite de cabra, depois, mãe me colocava um vestidinho florido e meias até metade da canela, e me calçava um conga azul. Partia meus cabelos no meio e, em cada lado, amarrava-os com maria-chiquinhas.

Na pegada ligeira de mãe, eu agarrada na sua mão, caminhávamos cerca de trinta minutos a pé até a parada do ônibus. Pegávamos o ônibus até o bairro do M Boi Mirim. O Boi que eu nunca via, não entendia por que um bairro se chamava assim, que nem boi na feira tinha. “Cadê o boi, mãe?” “Ele deve estar em algum lugar na feira, respondia mãe.”

Na feira, mãe e eu caminhávamos entre as barracas, eu segurando na barra da saia dela, com medo de me perder no meio daquelas pessoas estranhas para mim. Escutava-se boatos da boca das comadres de mãe de que na feira até crianças se podia vender e comprar. Se era verdade ou mentira, eu não sei, mas a saia de mãe eu que não era boba de largar.

O lugar tinha todo tipo de gentes, que andavam rua acima, rua abaixo concentradas na mercadoria e no menor preço. Aqui e acolá, nos esbarrávamos com uma vizinha ou algum conhecido de pai. Cachorros passeavam na espreita de um pedaço de carne. Os gatos miavam, roçando o rabo nas pernas dos fregueses. As aves, coitadinhas, estavam na gaiolas para serem vendidas ou prontas para irem para a panela.

Na feira tinha de tudo: tecidos coloridos, roupas e sapatos para todas as idades; roupas íntimas, perfumes “toque de amor,” utensílios para casa não faltavam. Tinha até fotógrafo vestido de antigamente tirando retrato com câmeras do início do século XX, e ciganas que liam a mão de quem pagasse. A feira era uma animação só: “Moça bonita não paga, mas também não leva”, gritavam os feirantes ritmados.

Sem me desprender da barra da saia de mãe, perambulávamos por ali, de barraca em barraca, como se fossem estações de trem. Mãe pechinchava os produtos de primeiras necessidades: o feijão, o arroz e a farinha de mandioca. Se o dinheiro rendesse, mãe comprava as verduras frescas e pedaços de carne com osso. Enquanto isso, eu ficava ali na reza para que sobrasse um dinheirinho para comprar o pastel de carne ou de queijo da barraca do japonês Yakamoto. Era o melhor pastel do mundo! E eu sempre ficava puxando a saia de mãe para que ela não se esquecesse de economizar o dinheiro do pastel. Voltar para casa sem comer o pastel do japonês, a frustação era grande. E de mãe supostamente. Assim, mãe pechinchava com fé!

No final do mês, quando pai recebia o salário, as sacolas de mãe eram maiores. Pai ia junto para a feira e, aí, a compra era maior e o dinheiro dava para comer pastel e tomar caldo de cana. Pai gostava de comprar tecidos para mãe fazer nossas roupas e um chapéu para ele, ficava até parecendo com Marlon Brando.

No fim da manhã, voltávamos para casa com a feira da semana feita, mas não podia faltar na sacola as chupetas de caramelo ou guarda-chuvinha de chocolate para meus irmãos e minhas irmãs que ficaram em casa.

A imagem usada no Card é uma foto tirada de um quadro da casa de meus sogros. A pintura pertence a Inês. Infelizmente seu sobrenome é desconhecido.

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