Arte, bordado e muita criatividade. Estes são elementos-chave na obra de Isabella Alves da Cunha Melo, Isabella Alves, artista visual e designer pernambucana que une com sensibilidade o tátil com o digital, formas orgânicas com vetores. Na entrevista para o podcast do Terra Literária, conversamos sobre suas origens, inspirações e projetos.
Formada em design gráfico pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Bella, como também é conhecida, lembra que sua mãe, Dona Célia, foi fundamental para que pudesse se dedicar e seguir nos estudos.
O contato com os livros começou cedo durante suas visitas ao sebo do pai, o que colaborou para sua aproximação com mundo editorial. Nas suas experiências com este universo, ela trabalhou com livros pedagógicos, infantis, e atuou nas redações do Jornal do Commercio e Diário de Pernambuco. Depois disso, decidiu deixar o lugar de CLT e investiu em trabalhos autorais.
Com as amigas Isadora Melo e Clara simas, abriu A Firma, desenvolvendo projetos de design gráfico, produzindo peças para o cinema, materiais de cultura e música. Nos últimos anos, desenvolveu recursos gráficos para projetos de arte, cultura e militância política, criando identidades visuais para campanhas, livros e projetos diversos para várias regiões do Brasil.
O bordado como potência artística
De toda a diversidade de suas expressões, no bordado Isabella Alves resgata uma conexão com suas origens e ancestralidade, entrelançando criatividade e inspiração. Ela lembra que aprendeu os primeiros pontos com sua avó materna, Dona Lourdes, e com sua mãe:
“Eu bordei desde criança, minha avó me ensinou o ponto de cruz. Eu sempre gostava de fazer coisas para mim: uma bolsa, uma customização, um chapéu de praia…”
A arte têxtil e do bordado são uma sabedoria milenar, transmitida de geração a geração de mulheres através da oralidade e de forma pedagógica, possuindo uma variedade de pontos, formas e cores. Muitas coisas pode-se aprender com este processo: materiais, linhas, agulhas… Os fios vão criando formas, beleza e sentidos.
“Bordar, em efeito, é arte antiga e um ato lento.
Consiste em embelezar um tecido com fios,
Enchendo-o de marcas, sinais, histórias.
É um ir e vir da agulha que permite que você
sinta, em seus próprios templos,
a dimensão do problema da violência.
Bordar um tecido é preparar o pano onde soprar
e limpar as lágrimas coletivas.
O bordado é um trabalho de cuidado.
É a resistência da beleza e tradição
e serve para transgredir o mandato de violência.
Bordar, é necessário repeti-lo,
É um ato de paz e transformação.”
Tradução livre (feita por Isabella) do trecho Nombres para el tejido social. Levantando un memorial con hilo y agujas – Bordados de paz, memoria y justicia: un proceso de visibilización de Francesca Gargallo Celentani.
Processo criativo: inspirações para comunicar ideias
Bella explica que seu processo criativo acontece de acordo com o projeto que lhe é solicitado. No passo a passo da produção gráfica, ela estabelece um diálogo com a pessoa/público que está demandando o projeto.
Inspira-se, normalmente, em coisas de que gosta e em referências artísticas e conceituais, buscando combinar seus interesses e estilo com o conceito da publicação. Na construção de um projeto editorial, Bella procura entender a proposta do livro e cria as ilustrações, caso sejam necessárias. Um exemplo disso foi o trabalho feito para o livro Corpos e memórias de mulheres em trânsito na literatura, de Malu Oliveira.
Para ela, não existe um conceito próprio ou linha específica de design que marque seu trabalho.
“O design precisa comunicar. E considerando o bombardeio de informações e disputa imagética também, a militância tem tentado encontrar o seu lugar. Principalmente, o feminismo tem alguns códigos imagéticos, e a gente está exaustivamente repetindo cores, elementos do design gráficos, daí vamos tentando aumentar este repertório visual também da luta feminista e de tantas outras lutas”.
A arte de Isabella Alves, que atua junto a alguns movimentos sociais e populares, se contrapõe aos colonialismos, simboliza uma resistência à lógica capitalista, buscando não ser totalmente capturada pelo capitalismo e pela aceleração do tempo. Na prática do artivismo, Isabella compreende que na militância o design acontece de maneira diferente e tem outra perspectiva.
“Existe uma outra metodologia dentro da militância que não é a metodologia neoliberal. Na maioria das vezes, tento ir por um caminho que não é apressado, ultraprodutivo. Dentro desta prática, a gente tem criado uma outra maneira de produzir e de ser criativa também. Talvez a minha prática do design esteja mais relacionada com a prática da educação feminista […] do que com o design em si.”
Tecendo subjetividades
Pensar sobre o significado do bordado não é uma pergunta fácil de responder para Isabella Alves. Muitas vezes, não nos damos conta de que a arte ou os trabalhos com as mãos nos conectam com outros lugares, espaços, tempos, memórias e com o mais profundo de nossa subjetividade e corporalidade.
“Este espaço-tempo que o bordado cria de silêncio, de imersão, eu consigo, quando eu realmente estou neste outro lugar, uma chavinha, não é a chavinha da ativista, não é a chavinha do design, da ilustradora. Subjetivamente, para mim, o bordado é um lugar de descanso, é onde eu estou em silêncio, é onde eu estou em outra velocidade. Eu recupero um ritmo que o capitalismo me roubou. É no bordado que eu consigo ter uma presença, um outro tempo, é um esvaziamento da minha cabeça. Subjetivamente é um espaço sagrado, de criação e de presença mesmo, de estar presente e não estar também, de estar meditando. É um espaço de cura, não é à toa que ele está tão inserido, conectado com arteterapia. Nestes espaços de cura, o bordado está presente. A prática do bordado consegue capturar coisas que o capitalismo não consegue […]”.
Residência no México – artivismo e arte têxtil
Desde 2022, Isabella Alves vive no México, buscando investigar o fazer têxtil neste território e trocando saberes em residências artísticas e outros espaços foco no bordado e na arte têxtil.
Em 2023, ela participou de uma residência com o grupo de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas, que faz uma articulação com o pensamento zapatista, incluindo a prática artística do movimento. Ela nos conta que há uma estética sendo construída a partir da prática na representação do teatro e do fazer cinema, por exemplo.
De acordo com Bella, o grupo pensa o bordado como uma ferramenta para comunicar o pensamento zapatista para fora das suas comunidades. É através do bordado que eles comunicam palavras-chaves do movimento, de como a comunidade está organizada, da presença da mulher na luta, da importância da comunidade, do Bem viver… “o bordado é uma maneira de expandirem o pensamento deles, principalmente feito por mulheres […] Também usam muito a pintura para comunicar a organização politica deles para o mundo”.
E nesta conexão Brasil-México-América Latina, Isabella Alves vai tecendo seu caminho e nos brindando com sua arte posicionada e decolonial. Que venham outros projetos!